terça-feira, 14 de junho de 2011

Parte de mim

Lembro-me perfeitamente daquela noite como se tivesse sido ontem.
Estacionou o carro à porta da minha casa e bateu à porta. Abri-a com um simples gesto de rotação do meu pulso e quando olhei para ele estava a sorrir. Olhou para mim de alto a baixo e desta vez invés de um sorriso a rasgar-lhe o rosto soltou uma gargalhada.
- Que fazes aqui? - perguntei eu quase sem voz.
- Quero-te mostrar uma coisa. Veste-te num instante enquanto te espero no carro.
Acenei com a cabeça e subi rapidamente as escadas. Entrei no meu quarto e dirigi-me ao roupeiro para escolher algumas peças de roupa. Virei-me com delicadeza e deparei-me com a minha imagem reflectida no espelho do roupeiro. Ali estava eu, com uma saia pendurada no meu braço esquerdo, um vestido no braço direito e um largo sorriso que me iluminava o rosto. Para dizer a verdade, nunca me tinha apercebido de como ficava com uma expressão estranha quando ele olhava para mim, quando me levava a casa e quando me segurava a mão. A minha cara ardia e o meu coração batia cada vez mais forte quando ele dizia a palavra mágica.
Escolhi o vestido e umas sandálias, desci as escadas e tranquei a porta. Entrei no carro e ele abordou-me com aquelas palavras meigas que lhe saíam do coração e atingiam o meio sem pedir.
- Hoje vou levar-te a um lugar muito especial.
Andámos cerca de doze minutos por entre árvores sombrias que enfeitavam o caminho até chegarmos a um miradouro. Ele parou o carro e foi à mala buscar uma espécie de toalha. Abriu-me a porta, estendeu a toalha no chão e disse:
- Senta-te.
Eu caminhei até ao local e sentei-me junto a ele. Abracei-o e encostei a minha cabeça no seu ombro. Ele ergueu o seu braço gentilmente e apontou para uma estrela.
- Estás a ver aquela estrela? O céu está repleto delas mas há sempre uma que se destaca das outras pelo seu brilho. Tu foste capaz de me perdoar quando mereci castigo e de me erguer quando não tive forças para me levantar. Estiveste comigo nos bons e nos maus momentos e fizeste com que me tornasse na pessoa que sou hoje. Não és só minha namorada, és a minha melhor amiga e quero ter-te sempre aqui, junto a mim.
Os meus olhos cobriram-se de lágrimas e um abraço uniu-nos como por magnetismo. Sentia que lhe pertencia. Sentia, pela primeira vez na minha vida, que talvez um dia partilhasse o meu futuro com aquele rapaz de dezassete anos e com cabelo negro desalinhado. Sentia que metade de mim tivera sido tirada e dada a ele, sentia que...nunca mais o poderia esquecer.
E nunca mais o consegui esquecer. 

Vivi trinta anos a aprender a pertencer a outra pessoa enquanto que a restante parte de mim aparentava ter morrido em combate.
Perdi tudo aquilo que tinha e tudo aquilo para que vivia. Perdi o tempo e perdi tempo, perdi-o e desvaneci no tempo. Tudo o que resta agora são memórias que a vida carregou e que o vento levou, resta a estrela mais brilhante que o céu deixou.

Sem comentários:

Enviar um comentário